Quando conheci Helena, numa noite nublada, a ignorei. Mas
ela não fez o mesmo. E depois das milhares de doses que eu bebi naquela noite, lembrei dos filmes que comentamos e dos seus olho no outro dia. Os olhos de
Helena foram tão marcantes que eu nem prestei atenção nas suas pernas.
Quando eu conheci pela segunda vez Helena, tive a falsa impressão
de que ela já havia feito sexo com mais da metade dos rapazes e raparigas que eu
conhecia. E eu mal conseguia acreditar que ela, tendo contato com a maioria
deles, nunca tivesse cruzado seus olhos nos meus.
Quando eu conheci Helena, eu não a conheci. Talvez eu ainda
não a conheça depois deste mais de um ano de conhecimento. Me soa bastante
estranho dizer e aceitar esta condição de não-conhecimento, mas foi assim que
eu não conheci Helena e não conheço a maioria das pessoas, inclusive a mim
mesma.
Os olhos de Helena são, provavelmente, únicos. E apesar dela
saber e até se gabar disso falando “Sim, eu sei que todos me querem” ela age
displicentemente. Helena tem um momento de olhar que me petrifica e em silêncio
eu digo “Eu poderia morrer agora.” Mas morrer com um olhar não está, nem nunca
esteve, na moda e nem na minha lista de coisas para fazer hoje.
Quando eu não-conheci Helena, pois já disse que até hoje não
a conheço direito, ela esperava um filho só seu. Fruto de uma produção coletiva.
Era uma flor forte e brilhante que crescia com o passar dos dias em um pote de
margarina. Aliás, voltando um pouquinho no tempo, preciso dizer que ela tem um
jeito de agir descontrolado – para aqueles que ainda acham que têm algum
controle sobre as coisas do mundo, no caso. – Ela não se importa em mostrar o
corpo e se divertir loucamente consigo mesma transgredindo todas as “normalidades”.
Assim, para Helena, despir-se em público é apenas uma forma de dizer “vem
gente! Vamos fazer o que temos vontade neste momento!”. Acontece que esta
gente, que não tem coragem de tentar conhecer Helena, acaba mal interpretando
as suas atitudes e classificando-a em gavetas que não lhe cabem. Helena é como
um trianglo num mundo esférico. Meu mundo, apesar de esférico, é de silicone
como os alargadores das orelhas de Helena. E ela me disse que todos aqueles que
tentaram aparar suas arestas, saíram quicando para outros lugares, tal qual
bolas de borrachas.
Helena diz não se importar com o mundo, nem com os outros,
mas não fala isso de verdade, se falasse, não seria vegetariana, nem escreveria
sobre mulheres, não se magoaria por dizerem que ela é louca ou estranha, não
sentiria ciúme, nem desejaria outras mulheres platonicamente. Além disso, ela
não ficaria confusa quando alguém está triste por algo que ela fez sem
perceber. Já encontrei Helena triste por algo que ela não fez, mas se culpou.
A parte que eu conheço dela não faz planos, nem pensa no “daqui
a pouco”. Acho que Helena prefere não pensar em nada, esta é a sua forma de
escudo. Porque no fundo ela se importa, mas tem um pouco de medo de tudo: dos
planos que podem não dar certo, das pessoas que podem não valer a pena e de
todas as regras que tentam nos controlar. Já me disseram que Helena não vale a pena e talvez ela ache isso de si mesma, no fundo, mas hoje eu não a conheço para afirmar ou negar essa hipótese.
Mesmo que eu não conheça Helena, e que ouça ventos dizendo
que todas os caminhos levam ao abismo, eu gosto quando ela segura a minha mão
para andar. E curto quando ela me conta sobre suas viagens, que eu nunca farei.
Cinema, arte, teatro, fotografia... e das suas dancinhas engraçadas. Mais do
que isso, eu gosto do que Helena significa. E eu fico observando quando ela
fala muito e ouço com paciência por horas, então, “do nada” ela pára e sorri
com a boca, com os olhos e me estende a mão. Então eu me sinto bem por fazê-la
alegre naquele momento.
Entre todos os meus bloqueios e frases guardadas, já disse
que ela está sendo o meu ponto de equilíbrio, neste momento. Helena tem muitos
momentos e pouquíssima linearidade. Acho que ela e eu somos um
eletrocardiograma.